Vozes da revolução

Cristãos egípcios afirmam que Mursi queria instalar uma guerra civil religiosa e que saíram às ruas para exigir seu país de volta. Mas afinal, quem tomou o Egito?
A resposta à essa pergunta pode variar. Entre os milhares de egípcios que invadiram as ruas de todo o país desde domingo (30 de junho), muitos estavam ali para forçar o presidente Mohamed Mursi a deixar o poder, outros para apoiá-lo.
"Agora estamos vendo a revolução sofrer ameaças", relatou um membro da Irmandade Muçulmana, que se encontra entre as muitas fileiras formadas em favor de Mursi. Ele foi citado pelo jornal britânico The Guardian.

A agência de notícias World Watch Monitor falou com um número de cristãos em meio a uma multidão de manifestantes. Seu ponto de vista comum é: a Irmandade Muçulmana sequestrou o que era para ser um Egito novo e pluralista, emergido em janeiro de 2011, após a derrubada de Hosni Mubarak.
"Estou deprimido porque não esperávamos por isso", diz Amgaed Fahmi, que dirige uma empresa de importação no Cairo. "Eu participei várias vezes da revolução. Tive o sonho de mudar e, de repente, a Irmandade roubou a revolução".
Os cristãos que falaram com a World Watch Monitor nesta semana se descrevem como patriotas egípcios cansados do declínio econômico, da corrupção e de um governo dominado por islamitas que abandonaram a intenção original de derrubar um regime autocrático.
"Estou participando hoje para remover o sistema corrupto", diz Shenoda Danil, um motorista de táxi de uma área ao sul do Cairo chamada Cidade 15 de Maio. "A nossa situação tornou-se pior. A Irmandade está pensando apenas nela. Eles não sabem e não fazem nada para o povo. Eles dividiram a nossa sociedade em muçulmanos e cristãos", declarou ele dias atrás, antes da queda de Mursi.
"A Irmandade roubou a primeira revolução", diz Danil. "Isso é uma injustiça".
Hebatalla Safwat Ghali, uma professora de francês da Universidade do Cairo passou semanas entre os manifestantes de 2011 na praça Tahrir, epicentro do levante que derrubou Mubarak. No domingo (30), ela estava de volta à praça, entre as dezenas de milhares de manifestantes antigoverno.
"Estou aqui em Tahrir porque, em primeiro lugar, sou egípcia, sou parte deste povo", diz ela. "E em segundo lugar, porque, como uma copta (cristã), eu testifico o meu amor cristão ao meu país. Preocupo-me com as preocupações do meu povo. Tenho compaixão de todo o povo egípcio. Rejeito todo tipo de injustiça a todas as pessoas, não apenas aos cristãos. Vamos manter a nossa revolução até alcançarmos três valores: justiça social, liberdade e dignidade humana. A situação tornou-se pior, mas vamos continuar até o fim. A Irmandade", diz Ghali, "está tentando raptar nosso país.".
Mekheel Aziz Karyakos, um padre da Igreja Copta Gerges Mar no distrito Shobra, do Cairo, diz que tinha o dever de, como líder cristão, tomar parte nas manifestações de domingo.
"É muito importante para mim estar aqui, porque eu sou um egípcio copta, e também porque sou um líder e tenho uma responsabilidade", diz ele. "O Egito é tão grande para nós, e a Irmandade está tentando roubá-lo. Eles estão roubando o futuro do nosso povo".
Alguns dos cristãos entrevistados dizem que foram às ruas para protestar por outras preocupações cotidianas, como o desmoronamento da economia do Egito, direitos básicos e ordem.
"Este é o meu país, e eu estou preocupado com o meu futuro", diz Shady Abdel Massieh, que trabalha como topógrafo. "Mursi não fez nada. Não há gás, electricidade, segurança ou emprego. A situação é muito ruim. E ele e a Irmandade ainda dividiram o país".
Manifestantes antigoverno continuaram a embalar Tahrir em espaços públicos em todo Cairo e em outras cidades em todo o Egito na terça-feira. Os partidários de Mursi, por sua vez, reforçaram seus próprios números em vários locais do Cairo, e os oficiais da Irmandade pediram aos apoiadores em todo o país para se prepararem para preencher as ruas. As tensões continuaram a aumentar à medida que chegava o fim do prazo militar dado a Mursi para entrar em acordo com a oposição.
Dezenas de pessoas foram mortas em confrontos esporádicos antes e depois dos protestos de domingo. O clima, na terça-feira, nas ruas em redor do Etehadeya Palace, no bairro de Heliópolis, era mais leve. A multidão foi impulsionada pelo ultimato dos militares a Mursi, amplamente recebido como um endosso dos manifestantes, que entoavam canções patrióticas e traziam bandeiras egípcias pintadas nas bochechas das crianças, enquanto helicópteros militares jogavam pequenas bandeiras de suas aeronaves para as pessoas abaixo.
"Como cristão, eu me senti extremamente marginalizado desde que [Mursi] chegou ao poder", diz Manal Selim. "Ele cometeu uma série de erros fatais que desfiaram a nossa sociedade, a começar por pedir um comitê qualificado para elaborar a Constituição que ignorou totalmente a nossa participação [dos cristãos]. Ele deve sair".
Dois amigos, um deles usando uma cruz e o outro o hijab muçulmano, falaram com otimismo. "Hoje temos de volta o nosso Egito", um deles disse a World Watch Monitor. "Durante um ano, eles têm tentado colocar-nos à beira de uma guerra civil, mas hoje provamos que isso é impossível. Queremos um país civil, com um novo presidente civil, que pode melhorar as nossas condições de vida e manter a nossa segurança e estabilidade", disse o outro.

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FonteWorld Watch Monitor

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