O Egito após Tahrir

A queda do regime de Mubarak em fevereiro de 2011 desencadeou uma onda imensa e contagiante de otimismo. Imagens de cristãos e muçulmanos de mãos dadas na praça Tahrir foram transmitidas por todo o mundo e deram credibilidade à narrativa de que um novo Egito, mais liberal e democrático, estava nascendo
Para melhor entendimento do texto abaixo, leia A Igreja no Egito: os desafios da perseguição ao longo do tempo.

A chegada de MubarakHosni Mubarak substituiu Sadat no comando do Egito em 1981. Sua tarefa imediata era desativar a bomba que seu antecessor havia armado com as prisões em massa dos opositores em todo o espectro político, e lidar com a rebelião islâmica que sucedeu o assassinato de Sadat. Os problemas dos coptas ocupavam o fim de sua lista de prioridades, se é que constava dela.

A rebelião islâmica no sul do Egito durante a década de 1990 ultrapassou em muito qualquer outra ameaça a que os coptas tenham sido submetidos em tempos modernos. Como o governo perdeu o controle efetivo do sul, coptas foram deixados à mercê de grupos islâmicos. Embora despercebida na época, a gravidade dos ataques levou a uma emigração maciça copta do sul para os subúrbios e favelas do Cairo. Alguns conseguiram escapar para mais longe: o ocidente.

O governo enfrentou a rebelião com violência em massa. Centenas de rebeldes foram mortos e milhares presos e torturados. Enquanto a rebelião islâmica estava sendo derrotada pela força, o aumento da violência popular de cidadãos comuns despontava como o maior problema para os coptas. O aumento da participação de seus vizinhos e colegas de trabalho em ataques violentos foi o que mais os alarmou.

Um massacre em El Kosheh em 2 de janeiro de 2000, que deixou 21 coptas mortos depois de três dias de violência popular, foi um excelente exemplo. Ataques populares geralmente iniciavam após rumores diversos: a construção de uma igreja, uma relação sexual entre um cristão e uma muçulmana, um suposto insulto ao islamismo. Os detalhes de cada ataque variavam, mas o resultado final, não. Eles resultavam em casas queimadas, lojas saqueadas e a polícia forçando uma sessão de conciliação, o que significava que os autores nunca seriam levados a julgamento e punidos. A multidão tinha boas razões para acreditar que poderia atacar os coptas sem que houvesse represálias.

Com o maior controle da rebelião islâmica, Mubarak estava disposto a ser mais complacente com os coptas. Em 2000, concedeu licenças a 35 novas igrejas e renovou a permissão de 200. Em 2005, Mubarak delegou aos governadores a autoridade para lidar com petições de renovação, mas mantendo para si a autoridade de decidir sobre a construção de novas igrejas. Essa decisão ajudou a aliviar a situação dos coptas em algumas províncias sua, ao passo que o fanatismo das autoridades de outras províncias não permitia que muito fosse feito para resolver o problema. Em 2002, Mubarak agiu em favor dos coptas devolvendo a maioria de suas terras confiscadas para doação e declarando o Natal Copta como um feriado nacional.

Apesar disso, os coptas continuavam a ser sub-representados em todos os cargos eletivos e governamentais. Não havia coptas entre os reitores de universidades, decanos de departamentos ou dirigentes de empresas públicas. A representação copta na força militar e policial foi limitada a um mínimo.

Os últimos anos do governo de Mubarak testemunharam uma abertura significativa das esferas políticas e meios de comunicação no país. Tal abertura ajudou evidenciou ao mundo os problemas dos coptas e a discriminação que sofriam. Entretanto, a divulgação não resultou em soluções práticas. O Estado egípcio insistia em que os coptas não enfrentavam dificuldade — ideia essa compartilhada pelos muçulmanos, que sustentavam que os coptas eram a minoria mais sortuda do mundo.

Os próprios membros da elite copta continuaram a negar a existência do problema, consolando-se com a ideia de que a discriminação e a perseguição existiam apenas em aldeias distantes, e esperando que sua negação pudesse ajudá-los a viver em paz. Suas fantasias eram de pouca ajuda, uma vez que os ataques continuavam, e cada vez mais perto deles.

Os protestos na praça Tahir
As promessas de fevereiro logo deram lugar à realidade de maio, quando as igrejas de Imbaba foram atacadas, e de outubro, época do massacre de Maspero. O completo colapso da polícia e do aparelho de repressão do Estado liberou os muçulmanos de quaisquer constrangimentos. Em nível nacional, eles logo venceram as eleições e dominaram a esfera política; em nível local, os islamitas, muito mais encorajados pelo aumento de seus irmãos por todo o país e pelo colapso da polícia, afirmaram o seu poder nas ruas egípcias e aldeias e aplicaram suas visões.

Os padrões de perseguição continuaram e foram reforçados após a revolução. O número e o alcance dos ataques cresceram drasticamente, e não se limitavam mais às aldeias escuras ou favelas, mas se espalhavam pelas ruas do Cairo e em frente à sede da televisão oficial. Edifícios da igreja foram atacados e queimados, a violência popular contra os coptas crescia a cada dia e o novo terror de evacuações forçadas de aldeias estava se tornando mais comum. Acusações de blasfêmia e de insulto à religião aumentaram, tendo os coptas como alvos principais. O aspecto mais preocupante para os coptas continuava a ser o fato de serem atacados por vizinhos, colegas de trabalho e pessoas com quem haviam crescido.

Em nível nacional, a situação também era sombria. A Irmandade Muçulmana fez belos discursos a respeito das preocupações dos coptas e do ocidente antes de sua ascensão ao poder, prometendo igualdade e liberdade para todos; contudo, essas promessas foram esquecidas. A nova Constituição egípcia, aprovada em dezembro de 2012, consagrou ainda mais a natureza islâmica do Estado e assim comum o status de segunda classe dos coptas.

A Igreja Copta por um fioAs perspectivas para os coptas no Egito são, no mínimo, desoladoras. Diferentemente dos emigrantes judeus que escaparam do Egito nos anos 40 e 50, não existe um Israel para onde os coptas expulsos de sua pátria-mãe possam escapar. Nem mesmo a sua percentagem total no Egito lhes permite desempenhar um papel relevante na formação de seu futuro. A única opção é fazer as malas e ir embora, pondo fim a dois mil anos de cristianismo no Egito.

Uma nova onda de emigração copta já começou e é imensa. A maior parte dos emigrantes está se dirigindo para os países onde seus irmãos se estabeleceram em décadas passadas. A triste realidade, no entanto, é que nem todos poderão fugir. Não há espaço no ocidente para milhões de imigrantes coptas. No fim das contas, os coptas com um melhor inglês e mais habilidades conseguirão escapar, deixando seus irmãos mais pobres para trás. A comunidade vai perder os seus melhores elementos, aqueles que oferecem postos de trabalho para seus irmãos, aqueles que fazem doações para a igreja, o que vai aumentar ainda mais a sua miséria.

A saída dos coptas dos Egito não significa apenas uma perda para seu povo e sua Igreja. O país vai perder parte de sua identidade e história. A história copta tem sido uma narrativa interminável de declínio e desespero, mas também de sobrevivência, de resistência em face de perseguição e de coragem; o sangue dos mártires é a semente da Igreja. A perseguição deixou suas marcas sobre a Igreja e sobre os coptas. Mas a história copta é também de triunfo em meio ao desespero e de proteção do Senhor ao seu povo.

O êxodo copta do Egito representa um desafio colossal para a Igreja Copta. Hoje, a Igreja Copta tem mais de 550 igrejas fora do Egito. Em um futuro não tão distante, o centro de gravidade da Igreja Copta não será mais dentro das fronteiras do Egito.

Adaptado de “The Coptic Church in peril: The Islamization of Egypt and the end of Egyptian Christianity”, de Samuel Tadros (Australian Broadcasting Company, 15 de setembro de 2013).
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FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoDaniela Cunha

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