Um telefonema perturbador da Síria

De manhã cedo, recebi um telefonema de Mary, uma amiga que mora na Suécia, mas nasceu na Síria. Ela queria que eu verificasse minha conta do Facebook. Uma jovem síria, Nour, queria me adicionar como amiga. Aceitei o pedido. Um minuto depois, Nour me enviou sua primeira mensagem. Ela tinha fotos de Tabqa, uma cidade que estava totalmente esvaziada de assírios cristãos. Nour também tinha o contato de vítimas do Islã fundamentalista
As vítimas querem que o mundo saiba o que está acontecendo. Um grupo de mujahedeens não sírios as expulsou de seus lares. O recado dos perpetradores era ”converta-se ao Islã ou saia”. Liguei para uma das vítimas e ouvi histórias pavorosas sobre limpeza étnica e religiosa.

Os cristãos na Síria são um grupo vulnerável. Eles constituem aproximadamente 8% da população. Tabqa costumava ser uma cidade moderna com cinemas, cabeleireiros, boutiques de moda e restaurantes. Agora é dirigida por homens de barba que não permitem mais isso.

Uma hora depois de minha entrevista com aquela refugiada, o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, declarou que ”deve haver prestação de contas” em favor das vítimas de um ataque com armas químicas. Considerando todas as provas que emergem de testemunhas, de imagens, de grupos de direitos humanos e de informações médicas fornecidas pelos Médicos Sem Fronteiras, John Kerry disse que ”todas essas provas indicam que armas químicas foram usadas na Síria” e que foram empregadas pelo governo sírio.

A organização Médicos Sem Fronteiras não reconheceu seus relatórios médicos como justificativas para uma possível ação militar. Ela emitiu uma nota enfatizando que somente ”uma investigação independente” pode determinar se as centenas de corpos que chegaram aos hospitais em 21 de agosto foram mortos por armas químicas e afirmaram que a organização não culpava ninguém.

Enquanto me contectava ao YouTube para ouvir novamente o discurso de John Kerry, um refugiado assírio que se abrigara no Líbano me ligou. Ninos queria saber se eu achava que a OTAN iria bombardear a Síria. Sua família permanece na Síria. Eles tinham fugido de Homs, controlada pelos rebeldes, para os subúrbios controlados pelo regime. Eles se sentem mais seguros nas áreas em que o regime pode protegê-los, onde al-Nusra ou outros islâmicos fundamentalistas não podem persegui-los. Ninos disse temer que, se os EUA e seus aliados entrassem na guerra, os cristãos iriam sofrer em dobro, e que seriam bombardeados juntamente com os alawitas, uma seita muçulmana a que pertencem 15% dos sírios, incluindo o presidente Bashar al-Assad.

Ao fim de seu discurso, Kerry declarou que os EUA devem proteger os mais vulneráveis. Perguntei-me se ele e os aliados americanos, atualmente expressando indignação, pensaram nos cristãos como Ninos, sua família e Nour. Eles não mataram nenhuma pessoa. Eles definitivamente não envenenaram ninguém com gases. E eles são os sírios mais vulneráveis de todos.

Redação: Nuri Kino, jornalista autônomo sediado na Suécia 
FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoGetúlio A. Cidade

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