“O mais lindo que vejo na Síria é o grande desejo em servir”

"Recentemente, conheci um rapaz sírio de 19 anos. Seu pai tinha sido morto há dois meses por um franco-atirador. Quando olhava para ele, via sempre um rosto triste, mas, ainda assim, ele perguntava como poderia servir a Deus melhor", contou Kyra Porter, colaboradora da Portas Abertas no treinamento de aconselhamento para situações de trauma na Síria
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Kyra é de uma família que viveu sob a perseguição e a guerra, ela é muito grata por conhecer e ajudar pessoas. "Muitas vezes, estou ciente de que poderia estar na situação deles. Vejo as histórias de meu avô acontecendo novamente agora. Todos os tipos de detalhes que ele contava, vejo hoje, no conflito sírio". Ela afirma que, como consequência de serem refugiadas, as pessoas farão qualquer coisa para satisfazerem suas necessidades básicas, até mesmo mudar de religião ou denominação. Tudo o que os refugiados se preocupam nesse momento é com a fome e a necessidade de segurança.
Onde está Deus?
"Algo muito útil no treinamento de aconselhamento para situações de trauma é a pergunta ‘Onde está Deus nessa história?’. Esta é a pergunta que sempre fazemos. Onde estava Deus quando José foi vendido à escravidão por seus irmãos? Onde estava Deus quando Davi escreveu o Salmo 23? Onde estava Deus nos dias de Moisés? E, novamente, nessa atual situação, onde está Deus?"
Ela continua: "Também é muito importante conhecer os dois lados do sofrimento. É como o sofrimento de Cristo; por um lado, foi uma alegria para ele, o gosto doce do cálice que bebeu. Ele sabia que estava obedecendo ao seu Pai; ele sabia que estava ali para salvar o mundo. Por outro lado, havia o gosto amargo, a verdadeira dor, o sofrimento. É importante que as pessoas que sofrem vejam e reconheçam ambos os lados: enxergar a dor na alegria e a alegria na dor".

"Certa vez, ouvi a história de uma mulher que se entregara à polícia por frequentar reuniões cristãs. Por que ela fizera isso? Ela ouvira tantas histórias sobre como Deus se aproximara daqueles irmãos e irmãs na prisão que queria experimentar isso também! Quando conversamos sobre sofrimento, também deveríamos falar sobre a dor verdadeira que está envolvida nele. Deus é misericordioso e nos alcança em nossa necessidade. Entretanto, deveríamos ser cuidadosos em não ‘romantizar’ o sofrer por Cristo. É certo que meu espírito sente a proximidade de Deus, mas meu corpo e minha carne suportam a dor e a agonia do trauma", explica Kyra.
"Pessoalmente, não creio que o sofrimento seja a vontade de Deus, mas estou certa de que é uma situação que Deus pode usar. Não é a vontade de Deus que as pessoas sejam torturadas, mas ele pode trazer algo de bom disso".
Como os colaboradores da Portas Abertas procedem quando são confrontados com tantas histórias? Kyra responde: "Para mim, o conhecimento de que Deus quer que eu faça isso me faz prosseguir. É claro que tenho dias difíceis. Isso não é somente por causa das histórias, mas também por causa de todas as viagens aos grupos. Histórias sobre agressão física, tortura ou abuso sexual e as histórias onde há crianças envolvidas são as mais difíceis para mim", conta.
As consequências de se viver em áreas de guerra são enormes. "Causam doenças cardíacas, diabetes, mas também muita imoralidade. Olhando como psicóloga, eu diria: Se você não enfrentar a realidade da dor, você não vai passar por ela e não aprenderá dela; não se tornará mais forte. Então, quando as pessoas não enfrentam a realidade da dor, podem tentar fugir para uma vida imoral, ou tentar esquecer, ou se viciarem. Você precisa enfrentar a dor a fim de ser capaz de reconstruir".
"Com o treinamento, queremos equipar a Igreja para saber como lidar com o trauma, a importância e a grandeza de apenas estar presente para apoiar, na maior parte do tempo, sem palavras. Queremos encorajá-los a aceitar as pessoas que sofrem de questões emocionais devido a traumas e a não julgá-las. Esperamos que possamos ajudá-los a olhar além do comportamento da pessoa traumatizada que vem ao seu caminho. Seria tão bom se as pessoas soubessem que a Igreja iria aceitá-las."
Qual a maior questão que surge durante o treinamento? "Noventa por cento dos participantes não veem nenhuma esperança para o futuro. Nossa meta é ouvir e caminhar com eles, apontar para aquele que dá esperança", assegura Kyra.
"Sempre fico comovida com as histórias de pessoas que foram movidas por Deus para ajudar os demais. Também podemos ser essas pessoas. Minha avó, que foi uma sobrevivente da violência em massa, sempre me ensinou: ‘ajude-as o quanto você puder’".

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FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoGetúlio A. Cidade

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