Preciso encontrar os cristãos perseguidos porque… (6)

… eles me ajudam a interpretar melhor a Bíblia
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“A Bíblia não é um livro fácil de interpretar”, disse meu professor de Novo Testamento. “Caso contrário, por que nós travamos tantas batalhas sobre seu significado?” Lembro-me do meu professor de História da Igreja balançando sua cabeça e dizendo pesarosamente: “Uma das características mais tristes da história da Igreja deve ter sido a guerra sobre a doutrina referente à ceia do Senhor, em que os cristãos derramaram mais sangue”.

Todo pastor sabe que é difícil entender o significado das Escrituras Sagradas. Eles trabalham para aprender idiomas, procuram concordâncias e consultam comentários, tudo na esperança de lançar mais luz sobre as principais questões da interpretação:

a) Quem escreveu este texto e o que o autor quis dizer com isso?
b) Quem inicialmente leu este texto e o que fez com isso?

Todas as boas interpretações começam com as ferramentas que respondem essas duas questões primárias. Nós somos ensinados que essas ferramentas se encontram no âmbito do conhecimento escolar, e muitos pastores orientam seus estudos e suas leituras de acordo com isso.

Mas há outra ferramenta vital, porém esquecida, que dá a chave para o significado das Escrituras: a Igreja Perseguida!

A Igreja Perseguida de hoje representa o mais próximo que podemos chegar dos escritores e leitores originais das Escrituras. Você sabe, a maior parte da Bíblia foi escrita por pessoas perseguidas. Interagindo com eles, nós ganhamos percepções sobre o significado da Palavra de Deus. Nós realmente precisamos da ajuda deles porque o que é óbvio e bíblico para um cristão perseguido, não é tão óbvio para nós. Habitamos em um universo completamente diferente. Nós precisamos nos lembrar como era a vida na comunidade original do Novo Testamento.
Existem três principais características que os cristãos perseguidos compartilham com a Igreja, e que nós não sabemos nada a respeito.

Cristãos perseguidos não tem futuro. Ter um futuro delineado é um luxo que a maioria dos cristãos perseguidos não desfruta, tanto no período bíblico quanto hoje. Eles não pautam sua vida em longo prazo. O que eles leem e usam é para aquele momento específico. Eles precisam ouvir a voz de Deus o tempo todo, porque amanhã suas vidas podem ser exigidas deles.  Eles vivem e agem sem considerar as consequências.  O quanto é diferente de nós, que precisamos de tanta ministração de como viver ao longo prazo no mundo? Isto não é um assunto que interessa um cristão bíblico.

Cristãos perseguidos não têm participação na sociedade. Nós vivemos em um mundo onde a Igreja era (e em alguns casos ainda é) privilegiada; onde os conceitos e a linguagem cristã moldaram nossa história, e onde cristãos individuais podem manter um alto cargo. Nós estamos confortáveis, bem conectados e prósperos. Mas, os cristãos perseguidos estão sempre fora da estrutura de poder. Pedro os chamou de “estranhos e peregrinos”. A Bíblia foi escrita por pessoas sem poder.

Cristãos perseguidos vivem em sociedades dominadas por rituais religiosos. Isto é o que os deixa em apuros. Eles não louvam ao “imperador”. Mesmo em sociedades ateístas, os perseguidos estão em conflito porque eles não louvam os “deuses” da era vigente, mesmo o deus sendo Mao, Lenin ou Castro. Por outro lado, vivem em mundos onde o papel da religião foi relegado à esfera privada. Nós não fomos exigidos, como nossos irmãos perseguidos de prestar juramentos de fidelidade e lealdade aos deuses do Estado ou outros deuses.

Assim como os perseguidos nos permite, de alguma forma, recuperar os “olhos originais” dos primeiros escritores e leitores da Bíblia, esse novo olhar pode influenciar diretamente em nossa interpretação das Escrituras.

Eu me lembro de um pastor do ocidente pregando sobre Jesus acalmando a tempestade (Marcos 4.35-41). Toda sua fala foi em como Jesus ainda pode acalmar a fúria da tempestade em nossas vidas. Ele nomeou as tempestades como solidão, engano, humilhação e também perseguição. E ele disse: “Jesus pode tirá-lo de cada uma dessas tempestades, assim como ele fez com os discípulos nos velhos tempos.”

Ele estava para dar continuidade em sua fala quando um homem idoso se levantou. Ele era de um país do Oriente Médio e tinha visto muito sofrimento. Ele disse suave e respeitosamente: “Meu querido irmão, se você tivesse sido perseguido você saberia o significado principal dessa passagem. O ponto desta história não é que Jesus fez a tempestade ir embora, mas que não há necessidade de temer a tempestade quando Jesus está no barco.” Todos olharam para ele em silêncio. Ele acrescentou: “Esta passagem nos foi dada para nosso conforto ao enfrentar terríveis tempestades, para saber que Jesus está no barco conosco, então a tempestade não vai nos causar nenhum mal.”

Muitos não apreciaram a interrupção. Mas alguns anos depois, estudando essa passagem no seminário, eu vi o valor de seu discernimento. O evangelho de Marcos não foi escrito para cristãos que estavam sendo libertos, mas para consolar os que estavam morrendo. Ele foi escrito para os cristãos perseguidos de Roma que foram martirizados sob o reinado de Nero. Como eles deveriam ter interpretado essa passagem? Certamente não entendendo que eles seriam livrados da boca do leão. Eles não foram. Eles morreram nas arenas. Mas essa passagem teria falado com eles mesmo assim – eles saberiam que, com Jesus, a tempestade da morte não lhes iria causar nenhum mal.

Mesmo a passagem em si deixa isto claro. Jesus ficou espantado em como os discípulos tinham uma fé tão tímida.  Eles não perceberam quem ele era. Se eles tivessem percebido, eles não temeriam a tempestade.

Da mesma forma, o homem idoso sabia do significado da passagem melhor que o pregador, por que ele foi um daqueles para quem a passagem foi escrita. Que oportunidade fantástica nós temos com isso. Quando interagimos com os perseguidos, nossa própria Bíblia se torna mais clara. Eles nos dão os olhos para interpretar as Escrituras, que foram originalmente escritas mais para pessoas como eles do que para pessoas como nós.

É claro que os cristãos perseguidos não são uma ferramenta infalível para o entendimento da Palavra de Deus. Nós ainda precisamos de nossos estudiosos, nossos analistas, nossas enciclopédias. Mas não nos esqueçamos da ajuda dos perseguidos na interpretação dos textos sagrados, porque eles, mais do que nós, estão ligados ao mundo de nossos antepassados bíblicos.

O texto acima foi retirado do livro “15 razões por que precisamos ter um encontro com a Igreja Perseguida” (tradução livre), de Ron Boyd-MacMillan, diretor estratégico da Portas Abertas Internacional.
FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoJussara Teixeira

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