Ataques às igrejas no Níger: relato de cristãos locais

21 jan 2015NÍGER

Ao redor do mundo, a intolerância religiosa faz com grupos radicais sejam responsáveis por milhares de feridos e mortos. No último sábado (17), a perseguição aos cristãos resultou na destruição de dezenas de igrejas no Níger. A resposta da comunidade cristã é “perdoar e esquecer, amar os muçulmanos de todo o coração, manter a fé e amar a Cristo como nunca antes”
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Pelo menos dez pessoas morreram em dois dias de violência, incluindo três cristãos, que não conseguiram fugir de suas igrejas a tempo dos ataques. Pela contagem da Portas Abertas – baseada em nossos contatos locais –, pelo menos 72 igrejas foram destruídas, juntamente com sete escolas cristãs, várias lojas e até dez veículos – todos de propriedade de cristãos. Mais de 30 casas de cristãos foram saqueadas e queimadas. A maioria dos que conseguiram fugir pôde levar apenas as roupas do corpo.
No domingo à noite (18), a situação se acalmou um pouco na capital Niamey, embora os cultos nas igrejas tenham sido cancelados e saques generalizados a lares cristãos continuaram acontecendo. Grande parte dos cristãos não se sente segura para voltar para casa.
Em um discurso na televisão, o presidente Mahamadou Issoufou manifestou surpresa com o ataque: “O que os cristãos do Níger fizeram para merecer isso? Em que momento foram injustos?”
Associar os cristãos locais com a publicação do jornal francês Charlie Hebdo(entenda melhor abaixo) é incorreta, mas conveniente. Da mesma forma que, ao publicar uma charge zombando do profeta Maomé, um cartunista dinamarquês criou a oportunidade para que muçulmanos fundamentalistas desencadeassem o terror contra os cristãos no norte da Nigéria, em fevereiro de 2006, as charges divulgadas pelo Charlie Hebdo tornaram-se uma oportunidade para que os cristãos fossem atacados no Níger – um país de maioria islâmica, que já foi elogiado pela comunidade internacional por seu governo secular e relativa tolerância para com os cristãos, apesar do fato de que mais de 98% da população siga o islã. Ao longo dos últimos anos, porém, o país tem visto crescente radicalização.
"Esta é a maior perda sofrida pela Igreja no Níger na história recente. Estes ataques terão efeitos em longo prazo sobre a pequena comunidade de cristãos. Um grande número de famílias cristãs locais perdeu tudo o que elas trabalharam por toda a vida para conseguir. Os ataques também causaram um medo considerável entre os cristãos. Os nossos irmãos no Níger precisam muito da nossa oração à medida que tentam se recuperar", comentam colaboradores da Portas Abertas na região.
O pastor Sani Nomau, líder de uma igreja local, exortou os cristãos a responderem com o amor de Cristo: "Eu peço a todos os cristãos no Níger para perdoar e esquecer, amar os muçulmanos de todo o coração, manter a fé e amar a Cristo como nunca antes. Imploro para que os cristãos vejam todos os muçulmanos no Níger como seus irmãos e irmãs. Digo isto com lágrimas no rosto. Embora seja doloroso, e estejamos vivendo uma situação realmente difícil, somos filhos de Deus. Devemos amar os nossos perseguidores; recebê-los em nossas casas, dar-lhes comida quando estão com fome e bebida quando estão com sede. Somos chamados para ser diferentes. Somos um povo de paz. Que ninguém busque vingança. Deus vai nos fortalecer neste momento difícil. Muçulmanos no Níger, nós os amamos com o amor de Jesus Cristo."
Entenda o caso
No dia 7 de janeiro, homens armados invadiram a sede do jornal francês Charlie Hebdo, em Paris, e mataram 12 pessoas. Os assassinos queriam se vingar dos autores de charges que satirizavam o profeta Maomé (leia mais aqui). Em protesto ao atentado, milhões de pessoas saíram às ruas em várias cidades da França e do mundo.
Na semana seguinte, a capa da última edição do Charlie Hebdo (de 14 de janeiro) trouxe uma charge em que Maomé segura um cartaz no qual se lê "Eu sou Charlie", expressão usada em favor das vítimas do atentado.
Em retaliação à nova capa do jornal, protestos violentos atingiram a comunidade cristã do Níger neste fim de semana. Os ataques, que tiveram início na segunda maior cidade do país, Zinder, na sexta-feira (16), rapidamente se espalharam para áreas vizinhas e, finalmente, para a capital Niamey.
FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoAna Luíza Vastag

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